domingo, dezembro 09, 2007

Domingo na Praia

Mais um na linha do realismo urbano

I
À caminho da praia um quarentão serelepe
Segue mascarado de protetor solar

Feliz da vida levando a tiracolo
A jovem morena que se abre em riso
E sedução

II
A danadinha, ainda meio escondida
o diminuto short e na curta blusa
que traz estampado um caboclo de lança,
Ignora o tempo e os olhares
mostra pedacinho de língua entre os dentes
e segue com seu jeito moleque e tentador
falante e cheia de gestos.

III
Minutos depois
Na arena da praia
Nem short nem blusa ocultam as formas
A água do mar arrepiando-lhe a pele
Um oceano de vontades inunda os dois.

IV
Pena aquele arrastão
Aquela onda de pânico
Tirando o encanto do domingo
Para aquele quarentão serelepe
Que sentado na areia
Se pergunta ansioso:
- Cadê a morena?

Dez/2007

sábado, dezembro 01, 2007

Antônio Falcão com Domingos Ferreira

Não é minha praia o verso livre. Surfo melhor nas ondas da tradição popular nordestina. Só que vez por outra chega dá uma veneta e arrisco a rabiscar uns versinhos avulsos, como estes que seguem abaixo:

PARTE 1- NOVE DA MANHÃ

Pelas persianas se vislumbra
Ali bem pertinho do sinal
O diário vendedor de frutas no seu posto
A aliciar os carros que transitam
Seduzindo com cores e sabores.

A vermelhança dos cajus no tabuleiro
Compõe com a amarelitude esverdeada das mangas

Um
tropiquadro agridoce deste prenúncio de dezembro.

Meninas de canga e chinelo de dedo
Desfilam fagueiras em busca do Atlântico
Para realçar a morenitude tão nossa que atiça
Seduzindo com cores e amores.

PARTE 2 – NOVE DA NOITE

Meninas de todos os sexos
Economizam nas roupas
Exibem curvas e batons
E se postam vendedoras si no mesmo sinal da manhã

Atentas aos carros que transitam
E já não mangas nem cajus
Mas noturna mercadoria
Goiabas e maçãs
Do pomar das fantasias.

quinta-feira, novembro 15, 2007

Vazio


Quase um mês sem postar nada e continuo sem assunto, embora tema não me falte. Falta apenas disposição para escrever.

Fica o registro desta fase estéril e essa caricatura aí que fizeram de mim durante a Bienal do Livro

domingo, outubro 21, 2007

Eu na Bienal


Último dia da Bienal. Eu (à esquerda) metido no meio das feras Luiz Berto, Joselito Nunes e o poeta Dedé Monteiro.


Platéia ouvindo os causos e os versos naquela tarde de domingo da Bienal (14/10/07).

Unicordel na Bienal


A Unicordel marcou presença na VI Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, com um estande aconchegante e animado. Vez em quanto tinha recital relâmpago, rolou exibição de documentários e não faltou folheto para saciar a sede dos interessados pelo cordel que é produzido hoje no Recife e adjacências.

Somos gratos à Cia de Eventos (Rogério Robalinho) e Homero Fonseca, por terem viabilizado nossa participação. Assim como a Cadeiras e Complementos, pelo apoio cultural.


Recebeu visitas importantes, como poetas de outros estados a exemplo do Antônio Francisco, Izais Gomes e Neuza Santos (RN), os irmãos Arievaldo e Klevisson Viana (Ceará), Dila, Herlon e a turma de Caruaru, Maviael Melo (BA), além de artistas como Roanldo Aboiador, Irah Caldeira e Maciel Melo.

Na foto abaixo, o cordelista cearense Klevisson Viana declamando em frente ao nosso estande:

sexta-feira, setembro 28, 2007

A avó que deu a luz aos filhos de sua filha

A ciência evoluiu
Neste campo da Genética
Ás vezes até ultrapassa
As limitações da ética
Com feitos que não convencem
Aquela mente mais cética.

A ciência normalmente
Diz que traz a solução
Mas esquece de dizer
Que junto com ela então
Vêm efeitos adversos
Que mexe com o cidadão.

Há pouco se deu um fato
Que pelo mundo correu
A mãe que gerou os filhos
Da filha, pois lhes cedeu
A barriga pra gerá-los
E um par de gêmeos nasceu.

Parabéns para a Ciência
Que é capaz de tal feito
Dando esperança às mulheres
Que acalentam no peito
A vontade de ser mãe
Mas antes não tinha jeito.

Mas me diga como ficam
Esses meninos, coitados
Que são filhos de avó
Já que nelas são gerados
E assim irmãos da mãe
Do próprio pai são cunhados.

Um do outro irmão e tio
E dos tios irmãos serão
Já dos primos serão tios
Está feita a confusão
Acho que de um psicólogo
Ao crescer precisarão.

Mas avó ser mãe de neto
Já não é tão novidade
É coisa do tempo antigo
Quando esta sociedade
Era bem mais vigilante
No tocante à castidade.

Assim quando acontecia
De uma jovem solteira
Naquele tempo passado
Se perder na capoeira
E assim pegar um bucho
‘Tava feita a desgraceira.

Para evitar o escândalo
E a moça ficar falada
Sendo ela de família
Que fosse um pouco arranjada
Dava jeito de passar
Bem longe uma temporada.

Enquanto isso sua mãe
Inventava gravidez
E com barriga postiça
Ajustada mês a mês
Simulava até enjôos
Até quando fosse a vez.

Ia “parir” noutro canto
Pra ninguém desconfiar
E trazia o bebezinho
Pra como filho criar
A filha voltava casta
Ao aconchego lar.

E seguia como irmã
Do rebento angelical
A quem tinha grande estima
Pelo instinto maternal
Duas mães tinha o bebê
Carinho em dobro afinal.

A sete chaves guardava
Esta família o segredo
A verdade vir à tona
Era o mais dantesco medo
Mas vez por outra a tal farsa
Descobria-se logo cedo.

Hoje em dia as avós-mães
Dão-se de outras maneiras
São as crianças geradas
Nos ventres das mães solteiras
Criadas pelas avós
Estas são mães verdadeiras.

Esse tipo de vó-mãe
É pela consideração
Mas o novo tipo agora
Dá-se pela gestação
É o avanço da Ciência
No setor da criação.

Importante é ter uma mãe
Presente no dia-a-dia
Da criança que se forma
Mãe bem mais que companhia
Mãe que dá carinho e amor
Que ensina e serve de guia.

FIM

28-09-07

domingo, setembro 23, 2007

E a praça foi dos poetas...



Eu na Praça Tomé de Souza (Salvador-BA): com minha companheira e o cordelista Antônio Barreto (alto, à esquerda), eu declamando (alto à direita, e baixo, à esquerda); com os cordelistas Antônio Barreto (vermelho) e Jotacê Freitas (azul). Foto: Aparecida França (19-set-07);

Fim de tarde de uma última quarta-feira de inverno. Enquanto a aparelhagem de som era instalada sob o toldo na praça, o sol começava a se esconder e aos poucos os poetas e atores-declamadores ia chegando. Douglas de Almeida, o organizador do recital, vez por outra anunciava: - Aproximem-se! Agora, dentro de alguns instantes, nosso recital vai começar. E sapecava ao microfone alguns “torpedos poéticos” despertando a atenção dos transeuntes, atraindo alguns deles que espontaneamente foram formando a tradicional roda.

A certa altura, começa a função. Os versos ecoam e o povo pára prestigiando os poetas na praça. Douglas de Almeida, Antônio Barreto, Jotacê Freitas, grupos de teatros e outros declamadores, inclusive, eu, anunciado bombasticamente como um cordelista recifense que tinha ido a Salvador especialmente para participar daquele recital. Coisa de baiano? Coisa de poeta? Nada disso! Forma carinhosa de dar-me as boas-vindas e valorizar a minha presença naquele ambiente, naquele momento. E tentando não fazer feio, tirei da cartola (e da cachola) o Nascimento de Trupizupe, de Bráulio Tavares, e criada a empatia com o público, saquei do bolso o meu Cordel Pra Bob Marley, do qual li algumas estrofes e sacramentei minha passagem pela Bahia de todos os versos.

O mais inusitado de tudo isso é que praticamente estava ali por acaso, se é que ele existe. É que eu (e minha companheira) chegara à capital baiana algumas horas antes, aproveitando alguns dias das férias para uma visita ao amigo Barreto, poeta e professor, a quem conheci há dois anos em Serra Talhada, no evento Tributo a Lampião, e que me deu a honra de recebê-lo em minha singela casa ano passado. Retribuindo-lhe a visita, sou recepcionado no aeroporto pelo amigo cordelista, deixo os teréns no seu agradável apartamento na Piedade, saímos para um rápido almoço (não confundir com fast food) e pronto, lá vamos nós para o primeiro encontro com a cultura soteropolitana. Foi o Festival de Poesia Salvador Cachoeira. E esse pernambucano enxerido, e metido na roda pelo seu anfitrião baiano, ainda ia teve uma brecha para declamar no recital que se deu na noite seguinte, no Teatro Gregório de Matos. Foi muito amostramento pra quem só pensava que iria visitar o Pelourinho, comer caruru e conhecer Itaparica, como um simples visitante.

Mas como diz o ditado nunca mais ouvido: mais vale um amigo na praça que dinheiro na Caixa. Foi graças a esse amigo que conheci uma Salvador muito diferente do que é exaustivamente vendido pra turista.

Saravá Antônio Barreto, com seus cordéis, suas gaitas e seu violão tão sertanejo!
Saravá Jotacê Freitas e sua recriação de Cuíca de Santo Amaro!
Saravá Antônio Paraíba, com sua Banca dos Trovadores estrategicamente instalada na praça do Mercado Modelo!
Saravá todos os Poetas da Praça, em especial Douglas Freitas e Geraldo Maia, com sua performance visceral e seu verso contundente.

quarta-feira, setembro 19, 2007

Uma viagem mais que poética na capital do agreste.


(Poeta Honório no Museu do Cordel, recepcionado por Olegário Filho)
Foto Cida França(Setembro/07)


Tarde desta terça de setembro. Volto ao país Caruaru onde estive pela última vez por ocasião da posse da primeira diretoria da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel-ABLC, coisa que se deu há dois anos, em maio/2005, um mês após a criação da União dos Cordelistas de Pernambuco-Unicordel. Nesse dia, por conta do trabalho, eu cheguei correndo e saí voando, não dando tempo de interagir com o povo do cordel que estava presente.
Fiquei me devendo esta durante todo esse tempo. Hoje deixei de ser inadimplente comigo de maneira muito especial, me pagando com juros, correção monetária e até CPMF. Aproveitando umas curtas férias, fiz a premeditada viagem que teve resultado bem melhor que o esperado, embora um dos objetivos não tenha sido alcançado: comprar um chapéu (de massa ou panamá). Mas isso é de somenos importância, tarefa boba e adiável.

Primeira missão era localizar e visitar o Museu do Cordel, fruto do idealismo de Lídio Cavalcanti e do saudoso cordelista Olegário Fernandes. Que ficava no Parque 18 de Maio eu já sabia, mas o desafio era como achá-lo entre aquela infinita quantidade de boxes e barracas vendendo “de tudo que há no mundo” e mais algumas coisinhas que Onildo Almeida acrescentaria hoje nesses tempos de China e Paraguai. Cruzei a ponte, dirigi-me logo para a área de artesanato e pedi informação ao primeiro vendedor que avistei. Batata! O atencioso senhor deu indicações precisas e, com poucos passos de volta em direção à estátua de pedra de Vitalino, e daí, descendo à direita no rumo da feira de queijo e driblando o labirinto de roupas e artigos importados, cheguei sem dificuldade ao ambiente modesto e mágico do museu tão carinhosamente zelado por Olegarinho (Olegário Filho). Vi folhetos antigos, comprei clássicos e lançamentos, travei uma prosa agradável e esclarecedora, tratei de negócios e até tirei foto (essas aí), não sei se como turista ou como pesquisador.

De lá, no rumo da Caroá (antiga fábrica de sisal e hoje espaço cultural e Museu do Barro), referência para localizar a casa do agora septuagenário Dila (melhor forma de identificá-lo diante dos infindos e intercambiáveis nomes a si próprio atribuídos), este grande mestre da xilogravura e ícone do cordel. Chegando lá, encontrei-o na calçada com sua esposa, pois acabara de se despedir de Hérlon Cavalcanti, autor do livro Xilogravuras do Mestre Dila - Uma visão poética do Nordeste, que será festivamente lançado neste domingo, dia 27-09, a partir das 14h30min no Museu do Barro de Caruaru, com muita poesia, música e canto. Apresentei-me e à minha companheira, e após os costumeiros cumprimentos, fomos convidados a subir os íngremes degraus que levam ao seu sótão-estúdio, e assim, adentrar no mundo fantástico do poeta dos cangaceiros imortais, fazendo-nos viajar com suas histórias e causos espetaculares.

Perguntou-me logo se eu conheci o Professor Roberto Benjamin, no que afirmei que sim, acrescentando ter mais contato com seu fiel escudeiro José Fernandes. A conversar correu solta sobre os imorredouros representantes da família Ferreira, sobre figuras da nossa História, como Lampião, Tenente Bezerra, Tenório Cavalcante, Padre Cícero, Severo Gomes, Cordeiro de Farias, Garrastasu Médici, João Figueiredo, Antônio Silvino, e tantos outros. Mostrou-me “sua” foto em trajes de couro e do “tempo” de andanças e combates, “confirmados” pela cicatriz de bala na perna. Comprei alguns folhetos seus para minha coleção e ganhei o dobro de presente. E olhe que o aniversariante era ele, que completara setenta anos de vida no dia anterior (17/09).

Mas da noite veio-nos o prenúncio da chegada e tive que anunciar nossa partida, não sem antes lhe dar um apertado abraço de parabéns pelo aniversário, desejando-lhe muita saúde e inspiração.

Pena ter que pegar a estrada de volta ao Recife naquela hora. Pena não ter chegado mais cedo e me deleitar com a prosa boa de figura humana tão rara e artista de tão prodigiosa criatividade. Despedi-me inúmeras vezes e entre uma despedida e outra, ainda ouvi sobre José Pacheco, José Soares e descobri que houve um repentista chamado José Honório, citado por Athayde. Mandou um abraço pro Doutor Roberto, para Marcelo Soares e para meus companheiros poetas da Unicordel. Finalmente consigo entrar no carro e dizer até a próxima com um aceno de mão, e assim, volto ao Recife com meu ânimo renovado e mais confiante ainda na força da poesia.


Salve Olegário Fernandes, Lídio Cavalcanti e Olegário Filho!
Salve o Museu do Cordel!
Salve Dila e sua legião de heterônimos!
Salve todos os poetas de todas as vertentes!
Salve os “doidos” que acreditam na força da imaginação e fazem com que a vida tenha mais graça e poesia.

domingo, setembro 16, 2007

Quirinanças e Pedrosices (*)


Sou um matuto da capital. Pernambucano da gema, gerado no Paissandu e nascido na Boa Vista no início dos anos sessenta do século que passou. Menino recifense criado no subúrbio (hoje chamado periferia) da antiga e abrangente Casa Amarela em um tempo não tão remoto, mas que ainda dava pra tomar-se banho e lavar roupas no Rio do Brejo, pra meu padrinho Tiantônhe criar vacas e cuidar da venda, sortida de tudo quando era mercadoria, secos, molhados e mangaios.

Cresci num terreiro vasto onde nunca faltou galinha, pato ou ganso, guiné, um cachorro, por muito tempo um jacaré, e outros bichos em abundância, como muriçoca e maruim; eventualmente agregava-se à fauna doméstica peru, gato, papagaio, camaleão, sagüim; época dos brinquedos feitos por meu pai (balanço, burrica) e por meu avô (carrinho de madeira, cata-vento e outras engenhocas); das brincadeiras de toca, de pega, de se esconder, de mandraque; de bola só me dava bem com as de gude e também morria de raiva e de frustração porque nunca tive jeito pra empinar papagaio, pipa ou chalopa; fiz figuras moldando o barro ou enfiando palitos em buchas verdes transformando-as em animais os mais diversos; andei de cavalo-de-pau brincando de faroeste e fiz bolinha de sabão assoprando em canudo de talo de folha de mamoeiro. Tomei banho de biqueira e sapateei na chuva. Viajei de trem pra visitar Severino Gomes e lá comi doce de coco feito em fogão de lenha numa tapera de um velho sítio. Levei lapada de rabo de vaca, golpe só comparado a uma inesperada mãozada que um boneco gigante me deu lá no carnaval de Olinda.

Menino ainda, li folhetos pra meu avô paterno e ouvi dele e de meu pai histórias de assombração, causos do povo do interior, lá dos engenhos de Ipojuca, de personagens reais e fictícios; aprendi com cartilha de abc e tabuada; ouvi os versos malcriados ao som dos pandeiros de emboladores como Oliveira e Beija-flor (na pracinha do Diário e no Mercado de São José) e dos repentistas pelo rádio, ondas sonoras que me traziam também as vozes do Rei Gonzaga, da rainha Marinês, do mestre Jackson do Pandeiro, de Gordurinha, de Ari Lobo, e de tantos outros artistas não menos talentosos, como o grande Azulão, ainda vivo, bolindo e cantando divinamente, trazido de volta à cena pelas mãos do Herbert Lucena; ouvi de perto a dolente melodia da ciranda de Barbosa e de longe a batida dos bombos dos terreiros, negócio de xangozeiro, que me diziam não ser lá coisa muito católica; assustei-me com o boi do cavalo-marinho nas festas do Sítio da Trindade e desde então me encanto com os cabocolinhos e mais ainda com o frenético ritmo do frevo.

Organizei ovos nos ninhos das galinhas para que nenhum gorasse, pois minha mãe dizia que eu tinha mão boa para isso; subi em pé de pau e lá passava horas “viajando” no meu exílio de criança tímida e sonhadora, fã dos feitos de Santos Dumont, Rui Barbosa e dos heróis Felipe Camarão, Henrique Dias e Matias de Albuquerque; assei castanha, quebrando a casca em carvão com um porrete, fiz anel de caroço de macaíba ralando-o na calçada mais comprida que achava.

Do quintal, comi muita banana prata, manga espada, jaca dura, goiaba branca e vermelha, abacante, caju, e de vez em quando o cardápio era reforçado por ingá, coquinho, carambola, jabuticaba e catolé; além do trivial triunvirato charque, arroz e feijão (às vezes aditivado com bucho ou dendê), lambia os beiços com a gostosura dos caranguejos trazidos de Pontes de Carvalho por Inês, prima de meu pai, da mão-de-vaca, buchada de bode, sarapatel, cozido com pirão de cuscuz tudo preparado por Dona Otacília, minha mãe, que tem um antigo e belo livro de arte culinária, mas que nunca a vi dele fazer uso. Só nunca provei da sua afamada galinha à cabidela por conta do meu eterno protesto por ela ter passado a faca no pescoço de Maria da Pena, galinha que anos antes era aquela pintinha que me foi dada de presente por minha avó materna; desci ladeira desembestadamente em patinete de rolimã, dei cangapé na areia, amassei barro com o pé para fazer parede de taipa, extraí mel de cortiço, arranquei batata-doce e macaxeira, plantei coentro em leirão, tirei água de cacimba e a carreguei em galão; dormi em rede, cama patente e de campanha, um infante sonho de consumo um dia realizado.

Tive sarampo, bexiga, lombriga e moleira mole. Fui tratado com chá de sabugo de milho e outras mezinhas. A rezadeira Dona Maria me curou de um olhado. Tomei muito lambedô e Biotônico Fontoura. Subi a ladeira do Morro em louvor a Nossa Senhora da Conceição e religiosamente contrito ouvia a Ave Maria das seis horas na rádio Clube.

Esse converseiro mais cumprido que braguilha de macacão, mais demorado que lição de moral, mais remoído que conversa de prestamista era pra ser um introdutório à tentativa de explicar a razão desse meu encantamento com a arte dos que se nutrem das coisas do interior e nos alimentam com a brejeirice nordestina que teima e não se deixa massacrar pela modernidade bestializante. E de tanto gostar, acabei contaminado e querendo ser mais um cangaceiro nessa peleja de fazer valer a pernambucanidade, a nordestinidade.

Capitão Chico Pedrosa! Capitão Jessier Quirino! Não tenho bacamarte nem parabelo, não tenho papo-amarelo nem facão Collins para ser recrutado nesse bravo exército caririzeiro, brejeiro e sertanejo, mas acho que dessas armas não precisarei. Tenho no meu bornal aquelas munições que a vida me forneceu na infância às quais juntaram-se outras ao longo dessa minha jornada de escutador de versos e causos, e de matutador de versos e rimas. Fico aqui à mercê de vossas ordens, cordelirando quando dá na veneta e espalhando aos quatro cantos do mundo a força talentosa da obra magistral de artistas como vocês. Se não tenho tutano para o combate direto com as volantes, contento-me em ser um coiteiro ou um guerreiro como o pajeuzeiro Antônio de Juvita (**). O que importa é manter acesa a brasa da causa da cultura popular desta nação nordestina.

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(*) - Texto escrito em 16-09-07, após algumas doses caprichadas e duplas, por via oral e visual, de quirinanças e pedrosices nos dias 13/09 (Pátio de São Pedro) e 15/09 (Tarde no Mercado da Madalena e noite no Teatro Santa Isabel).
(**) - Personagem do poema Guerreiro do Pajeú, escrito por Chico Pedrosa, constante do livro Sertão Caboclo, lançado quinta-feira (13/09) pela Editora Bagaço (www.bagaco.com.br)

domingo, setembro 09, 2007

A história do dia em que o amor veio fardado

O ato de fazer versos geralmente se manifesta a partir de um impulso criativo que leva o poeta a registrar com palavras aquilo que ele vê, pensa, sente e sonha. Uma idéia que lhe vem de veneta ou extraída a fórceps, seja como for, uma energia que nasce dentro do poeta e explode para o mundo através da palavra. Mas nem sempre é assim. Desde os tempos mais remotos poetas e outros artistas criam obras sob encomenda, produzem explicitamente para atender a demandas de terceiros, como qualquer artífice consciente da função utilitária do seu ofício.

No cordel, é comum a produção de folhetos de encomenda, normalmente para propaganda política, campanhas institucionais, educativas e publicitárias. Em sua maioria, tais poemas são construídos numa linguagem direta, objetiva, discorrendo desde o início sobre os aspectos mais relevantes do objeto que lhe serve de tema. Mas há poucos dias chegou às minhas mãos um cordel que foge deste padrão e valendo-se do recurso do merchandising, traz uma saborosa narrativa de uma paixão avassaladora como pano de fundo para a publicidade de uma empresa de segurança privada. Trata-se do sensacional folheto A HISTÓRIA DO DIA QUE O AMOR VEIO FARDADO, de autoria do jovem cordelista Mauro Machado, companheiro da União dos Cordelistas de Pernambuco-UNICORDEL.

Mauro conta a história de Simão, rapaz perdidamente apaixonado por Rosinha, jovem que tem uma atração arrebatadora por homens que usam farda, razão pela qual ignora os sentimentos do herói da história e se engraça de Ciço Cafuringa, o guarda da pracinha. Mas Simão não se dar por vencido, e parte para a reação. Julgando ser muito arriscado entrar pro Exército, decide ir pro Recife e ir trabalhar na Nordeste Segurança. Só a partir daí, da finalzinho da quarta página é que a propaganda mostra a cara, mas de uma forma muito solta e graciosa, diluída no enredo amoroso, na medida certa, deixando-se florescer no momento devido, apresentando-se como um recheio no meio desse romance caboclo. Eis alguns trechos desse cordel:
...
O alvo dessa paixão
Tinha a graça de Rosinha
Ela era de Simão
A sua antiga vizinha
Que no Recife morava
Mas pra Gravatá voltava
Porque em junho sempre vinha.
...
Foi quando chegou na frente
Outro homem pra dançar
Interrompeu o pedido
Mandou Simão se catar
Pegando a mão de Rosinha
Foi pro centro da pracinha
Pra com ela forrozar.

Era Ciço Cafuringa
Quem com Rosinha dançava
Era o guarda da pracinha
E bem fardado ele estava
Foi que descobriu Simão
Pra atingir seu coração
Que de farda ela gostava.

No outro dia já queria
Pro Exército entrar
E fardado de soldado
Rosinha iria gostar
Mas se tivesse uma guerra
O seu plano ia por terra
Ia longe guerrear.

Decidiu ir pro Recife
Ver um emprego fardado
Ele andou toda cidade
Foi de um lado ao outro lado
Com muita perseverança
Na Nordeste Segurança
Foi que teve seu achado.
...

Certamente ele seria
Que Cafuringa melhor
Afinal em Segurança
A Nordeste é a maior
E Rosa o namoraria
Pois não mais ela acharia
Que Simão era o pior.
...

Já de noite, na pracinha
Bem de longe ele avistou
Muito autoconfiante
Até ela caminhou
No seu ombro foi tocando
Então foi ela virando
E ele pra ela falou:

- Ó, bela flor pequenina
E que só nasce em botão
Perfumada e tão formosa
Como a lua no sertão
Nessa noite tão perfeita
A senhorita aceita
Dançar comigo, o Simão?

E viu da Nordeste a farda
E na hora se encantou
Nunca viu homem mais lindo
Foi o que Rosa pensou
E esse namoro esperado
Foi com um beijo selado
E ali mesmo começou.
...

domingo, agosto 26, 2007

Último sábado de agosto: Três alegrias de um cordelista

Sábado, vinte e cinco de agosto. Uma tríplice alegria renova meus ânimos e me faz cada vez mais acreditar na força da poesia popular.

Primeira: A Unicordel classifica mais gente sua (A dupla Adiel-Kerlle) para a final da Recitata (e olhe que foi novamente em primeiro lugar), que juntar-se-ão a Mariane e Altair na grande Festa do Livro, neste domingo, lá na Praça do Arsenal. Agora a torcida é grande para que os quatro mais uma vez sejam vitoriosos e conquistem os primeiros prêmios;

Segunda: Transformo a proposta de oficina de cordel que aconteceria no Instituto Ricardo Brennand numa prosa prazerosa e emocionante sobre o universo do cordel com as quatro participantes inscritas (inclusive Cida, que tinha ido lá apenas para me acompanhar). Muito revelador o depoimento da sergipana Sônia, tanto trazendo suas reminiscências de leitora de cordel nos seus dias de infância na sua cidade natal, Própria, quanto declarando sua emoção em ter participado deste encontro e ter feito uma “viagem” no tempo e na memória. Registro também para a jovem estudante Camila (Cefet-PE), tão entusiasmada com o cordel, e para Áurea, salgueirense funcionária do IRB que sempre se faz presente nas nossas intervenções naquela aprazível espaço cultural. Momento de agradecer a Nicole Cosh pela oportunidade e ao Carlinhos, monitor tão atencioso e prestativo que não deixou faltar nada e nos deixou tão à vontade.

Terceira: Encerrando o dia, a participação da Unicordel na campanha McDia Feliz, na loja do McDonalds da Agamenon Magalhães. Fazendo uma dobradinha com a talentosa banda Sistema Límbico e diante de uma platéia atenta e receptiva, eu e os companheiros Altair Leal, Cícero Lins, Adiel Luna e Felipe Júnior lançamos nossos versos e de poetas consagrados como Chico Pedrosa, Dedé Monteiro, Zé da Luz, Amazan, Daudeth Bandeira, Bráulio Tavares e Vinicius de Moraes. Destacou-se um grupo de jovens garotas que se mostraram encantadas com o nosso trabalho, a ponto de uma delas dirigir-se até nós para dar os parabéns pelo recital que fizemos, cumprimentando-nos um a um.

Pequenas demonstrações de admiração e reconhecimento como estas são fontes de estímulo e ajudam-nos a superar as dificuldades que encontramos ao longo desta jornada de busca da valorização do cordel, da poesia popular.

Daqui a pouco estarei na Praça do Arsenal. Eu, os companheiros da Unicordel e os amigos da poesia, para a grande Festa do Livro. Mais alegrias nos esperam lá.

domingo, agosto 19, 2007

Unicordel fazendo bonito na Recitata!!!!


Mariane Bígio (1º lugar) e Altair Leal (3º lugar) - Unicordelistas
classificados na primeira eliminatória da II Recitata.
(Foto de Susana Morais)


Mercado da Boa Vista. Sábado de muita expectativa e emoção. Primeira eliminatória do Recitata. Chego às dez horas, muitos poetas já presentes, confirmo minha presença junto à organização do concurso e, ao lembrar que meu desjejum só havia sido um copinho de manguzá do Jalon na feira de orgânicos da Praça de Casa Forte, vou até o Bar do Batatinha comer um cuscuz com guisado, pra forrar o estômago e me preparar pra agüentar o rojão do dia.


Mais poetas vão chegando, e seus amigos também, para torcer ou apenas se embebedar com a poesia que o dia promete. E não só com a poesia, porque doses e garrafas de cerveja começam a enfeitar mesas e balcões, inclusive a minha, é lógico! Beto, Batatinha, Leleu, Cristina, Come Quieto e outros mais supridores de bebidas e iguarias também serão coadjuvantes desta festa que se arrasta ao longo da tarde e arrisca entrar pela boca da noite.

Festa para a Unicordel. Entre os quarenta e quatro concorrentes do dia, nove fazem parte do nosso movimento (Honório, Mauro, Ângela, Valério, Evangelista, Cícero, Mariane, Altair e Felipe). Todos fizeram bonito, mandaram bem o recado, deixaram a poesia popular em evidência. Dois sagraram-se vitoriosos e vão pra final (Mariane, em primeiríssimo lugar e Altair, em terceiro), e por uma peinha de nada não emplacamos o terceiro. E Felipe merecia. Mas a peneira era muito fina e concurso tem disso.

A vitória d´A Mãe que Pariu um Mundo foi mesmo justa e merecida. Este primeiro cordel (ainda inédito, mas que possivelmente será lançado na Festival do Livro, domingo próximo) de Mariane tem tudo pra se tornar um clássico (diria até que já é) da poesia popular. Sinto-me feliz em ter colaborado para que ela se envolvesse com esse nosso mundo do verso e entrasse para a tropa da Unicordel. Pena não ter muito tempo pra gente por conta dos estudos e de outras prioridades, mas é um orgulho termos na Unicordel essa jovem, talentosa e bela garota de dezenove anos, sendo ela também um exemplo de renovação no cordel, tanto no que se refere à idade, quanto à presença feminina. Eis alguns trechos deste belíssimo poema:

“Antes era o universo
Um vão negro de dar dó
Tinha nada, só estrelas
Feitas de brilhante pó
Espalhadas pelo Vento
Que então reinava só.

O Senhor do Infinito
Cansou da escuridão
Teve idéia de fazer
A grande rebelião:
Tomou uma das estrelas
E a pôs em sua mão

Disse: estrela! oh, estrela!
Me cansei de ser sozinho
Nem o Vento é meu amigo
Pois é rei e é mesquinho
E também cansei do preto,
Que enegrece meu caminho

Sou Senhor do Infinito!
Quero muito colorir!
O universo é a tela
E de ti há de surgir
A mais prima obra-prima
O Mundo irás parir!

Nessa hora, emocionado
O Senhor lacrimejou
Uma água doce , cálida
Pela face lhe rolou
Pranto-sumo, seiva bruta
À estrela alimentou.

Esta fez-se então mulher
Com os seios volumosos
Com as ancas abarcantes
Os quadris voluptuosos
Já no âmago levava
Os pinguinhos preciosos...

Bem longe da proteção
Daquele que lhe criou
Ela descansava leve
Quando o Vento a rondou:
Sinto falta duma estrela
Acho que Ele roubou!

Amaldiçoada seja,
Tua cria ao nascer!
Vejo brilho no teu rastro!
És estrela, posso ver!
No Mundo que vai chegar
Vis desgraças hão de ter!

O Senhor ao escutar
Acudiu em seu favor
Fez do Vento simples brisa
Pra soprar quando calor
Acalmou a prenha-astral
E beijou-lhe com amor.

De repente houve um estrondo
A mulher soltou um grito...
Uma água caudalosa
Pingou do ventre contrito
Cheia de sal e de vidas
(Eis o Mar aqui descrito)

Logo após a enxurrada
Veio então a dor imensa
Pois o sólido doía
De maneira muito intensa
A mulher acocorou
Fez dos braços uma prensa

Finalmente um grito mudo
Era um “ai” do coração
Uma gota de suor
Gotejou na imensidão
E o Mundo foi expulso
Com enorme profusão...

A mulher aliviada
Ali mesmo adormeceu
Com o peito apertado
Que nem ela entendeu
Queria afagar o Mundo
Tê-lo sempre ao lado seu

O Senhor , pra terminar
Sua imensa aquarela
Fez com a ponta do dedo
Mais uns pontos nessa tela
Fez o Sol, astro maior
Bola de fogo-amarela

E assim o Mundo segue
Com o Mal e com o Bem
Pois a maldição do Vento
Fez-se fato aqui também
Mesmo que sua mãe vele
A tristeza vive aquém

Quase ao fim, urge lembrar
O Mundo é bom em essência
Fruto de vontade pura
Colorindo a existência
Foi nutrido com o líquido
Da bondade em excelência

Há desgraças é verdade
Mas há muita alegria
Seus filhos conhecem dor
Mas o Amor em primazia
Reina no fundo do ser
Em cada um, cada dia.”

Sábado que vem tem mais. Kerlle com Adiel, Madalena Castro, Meca Moreno e Susana Morais. Vamos torcer para que tenha mais unicordelista no domingo, lá na Praça do Arsenal, Recife Antigo, na final do Recitata, que acontecerá durante a Festa do Livro, a partir das 14 horas.

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Em tempo: Além dos nossos companheiros, a poesia popular foi defendida pelos amigos cordelistas Edvaldo Bronzeado, Júnior Vieira e Alberto Oliveira.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Biblioteca do Coque - Barba, Cabelo e Bigode!!

Através do Estuário, blog do camarada Samarone Lima, tomei conhecimento da inauguração da Biblioteca Popular do Coque. Seu relato apaixonado (como sempre) despertou em mim a vontade de também ser cúmplice dessa história. Pensei que o cordel podia ser a ponte e assim aconteceu. Nesta sexta, reconstitui os passos do meu cronista preferido e às oito horas estava lá na Estação Joana Bezerra, esperando alguém que iria me conduzir até a biblioteca onde em seguida eu ministraria uma oficina com os jovens da comunidade. Tirei uma folga do trabalho só pra me presentear com esta manhã prazerosa, falando daquilo que gosto e procurando despertar nos que me ouvem um pouco do encanto que tenho pela poesia popular. Fiz novos amigos, acredito que joguei sementes. E à boquinha da noite, eu e alguns companheiros da Unicordel (João Campos, Susana Morais, José Evangelista e Geraldo Valério) lá estivemos para a inauguração da Cordelteca, o acervo de folhetos de cordel doados pelos unicordelistas e pela Editora Coqueiro. A tarde se despediu embalada por nossos versos e a noite chegou anunciada pelo batuque dos meninos de lá. Fizemos barba (oficina, nada a ver com Samarone), cabelo (recital, também na a ver com Samarone) e bigode (cordelteca).

Parabéns a todos envolvidos com a biblioteca. A prudência de não citar nomes para evitar omissão indesejada fica em segundo plano diante do impulso de registrar a satisfação de ter conhecido Betânia, Rato, Rahyssa, Berg, Thaynara, Amanda e tantos outros.

O sonho de Betânia se espalha nos corações de quem chega perto e certamente há de continuar se expandindo muito além do que se hoje se projeta. Ajudando a realizar outros sonhos, como é o meu de ver o cordel realmente popular, ou seja, no meio do povo.

Queria estar lá novamente amanhã, ouvindo a palestra de Samarone, mas este sábado é dia de Recitata e estarei no Mercado da Boa Vista participando da primeira eliminatória deste concurso. Torçam por mim!

domingo, julho 29, 2007

Unicordel no Festival de Inverno de Garanhuns




Garanhuns abriu seus braços
pra receber o cordel
no Parque Euclides Dourado
fizemos nosso papel
levamos versos à praça
com raça, malícia e graça
com faz bom menestrel.

Sábado, 21 de julho. 12 integrantes da Unicordel levaram os versos da poesia popular à biblioteca do Parque Euclides Dourado, dentro da programação do Festival de Inverno de Garanhuns. Platéia atenta e participativa. Aos poucos vamos abrindo novos espaços, conquistando novos admiradores do cordel e tendo mais convicção que estamos na trilha certa.

Neluce, Meca, Felipe, Altair, Ivanildo, Severino, Esperantivo, Davi, Evangelista, Dunga, Kerlle: Companheiros que me deram esta alegria de ver estampado nos olhos dos ouvintes o encanto por essa arte que me move e me alimenta.

Outros lá não estiveram por motivos vários, mas também são parceiros nessa história que está sendo escrita com a tinta da cumplicidade.

domingo, julho 15, 2007

Cordel na Fenneart


Susana e Neluce no espaço Unicordel (Fenneart-07/2007)

Hoje deixo de lado os versos, embora continue tratando do meu envolvimento com a poesia popular. Sinto necessidade de falar desta experiência de ver a Unicordel presente na FENNEART (www.pe.gov.br/fenneart), ocupando um espaço em um dos estandes de Pernambuco na área do PAB-Programa do Artesanato Brasileiro.

Neste sábado, penúltimo dia da feira, fiquei quase o dia inteiro por lá, junto com alguns companheiros cordelistas, dando uma força a quem estava de plantão e proseando com os poetas que se fizeram presentes. E esta permanência no local me propiciou alguns momentos de grata satisfação que tiraram um pouquinho do azedume característico desses últimos dias: 1º) Ficar o tempo todo admirando as peças de Luiz Galdino, aquelas "caboclas" sensuais do colo desnudo que ficam provocando o desejo de passar a mão pra sentir a maciez da "pele" daqueles seios que o artista reproduziu com refinado acabamento; 2º) Ouvir uma visitante lançar os olhos sobre a camisa da Unicordel e declarar: "Que camisa maneira, meu!"; 3º) Receber o convite para escrever um cordel para ser distribuído como lembrança de um casamento que só deverá acontecer daqui a uns dois anos; 4º) Ver nosso companheiro Davi Teixeira, cordelista e bonequeiro, passeando entre os visitantes com seu Bastião, e seu Zé Preto, fazendo seus bonecos lerem cordel e cantarem junto com os seresteiros que desfilaram nos corredores da feira; 5º) Observar, de longe, João Guilherme (um guri de sete anos, filho da amiga poetisa e jornalista Rossana Fonseca) sentadinho lá num canto do estande, lendo compenetradamente o cordel que professor Adelmo escreveu para o Sport; 6º) A declaração de um senhor que ao saber do preço pelo qual estávamos vendendo nosso cordel (R$ 1,50), disse que na sua opinião o cordel valia era R$ 150,00.

Isso não tem preço!!!!!!!!

terça-feira, julho 10, 2007

A HISTÓRIA DO POBRE E DO JUIZ ou A DIGNIDADE É UM SAPATO

Autor: Paulo Moura (Dunga) *


No tempo do meu avô
Dizia-se com clareza
Que um fio de bigode
Representava nobreza
Ou então a afirmação
De que: - Vou cuspir no chão!
Era sinal de firmeza.


Que beleza não põe mesa
Todos já devem saber
E de que julgar alguém
Sem sequer lhe conhecer
É uma idéia falha
Porque, às vezes, gentalha,
É quem está no poder.


Certo dia ouvi dizer
Que o JUIZ de uma cidade
Do auge da competência
De sua autoridade
Se recusou receber
Um homem, por ofender
A sua dignidade

A “ofensa” ou maldade
Que esse homem do mato
Cometeu com o JUIZ
Não foi algo insensato
O POBRE foi recusado
Na sala do magistrado
Porque tava sem sapato

O JUIZ, de fino trato
Não gostava de gentalha
Reclamou ao tabaréu
Porque estava de sandália
E que naquela audiência
Na frente da excelência
Era uma terrível falha

Sem ter alguém que lhe valha
O POBRE homem inato
Chorando disse ao JUIZ
Doutor, não sou insensato,
Sou honesto, embora pobre
Sou desprovido de cobre
Para comprar um sapato

Diante daquele ato
A imprensa acudiu
Saiu no noticiário
Todo o mundo assistiu
“Trabalhador recusado
Porque estava calçado
De forma indigna e viu”


Como ninguém lhe aplaudiu
O JUIZ foi consultado
Pediu desculpas ao povo
Achou ter “exagerado”
Não sabia que o pobre
Não tinha lá muito cobre
E deu o caso encerrado.


Novo dia foi marcado
Para a nova audiência
A imprensa foi atrás
Pra ver Vossa INCELÊNCIA
Destrinchar o veredicto
Pois era homem contrito
De muita classe e decência


Só não tinha consciência
De estar tão equivocado
Porque a honra de um homem
Não esta no seu calçado.
Vestido com mais “decência”
O POBRE foi pra audiência
Com um sapato emprestado

E estava bem apertado
Pois de número menor
O seu sogro lhe emprestou
Porque dele teve dór
Visando grande sacada
O juiz da palhaçada
Fez algo ainda pior


Pensando ser o maior
O JUIZ rico e astuto
Na frente dos jornalistas
Presenteou o matuto:
Bem limpinho e engraxado
Um par de sapato usado
Mas que não era fajuto!


“De aceitar eu reluto!”
Lhe exclamou o rapaz
Um presente do senhor
Eu não vou querer jamais...
Na terra em que fui criado
Os que mais andam calçados
É que são os marginais...

* = Paulo Moura (Dunga), poeta-cordelista membro da UNICORDEL-União dos Cordelistas de PE, pesquisador do Cangaço e Sócio da SBEC (Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço).Tem diversos Cordeis publicados, quase todos fazendo referencia ao Cangaço. Profere palestras sobre Lampião e o Cangaço e sobre a Literatura de Cordel.

Contatos: 81 9421 2653 ou paulodunga@bol.com.br

domingo, julho 08, 2007

TRADIÇÃO E CONTEMPORANEIDADE NA LITERATURA DE CORDEL


Este será o mote para o Curso de Férias que será realizado na Faculdade Integrada do Recife-FIR, pelo cordelista José Honório da Silva, no período de 17 a 20.07.07, das 19 as 22 horas.

Com mais de vinte anos de dedicação à poesia popular nordestina, tanto como poeta quanto como pesquisador, já tendo publicado cerca de cinquenta folhetos, além de realização de palestras, oficinas, debates e recitais, o cordelista irá propiciar aos participantes do curso uma visão panorâmica e atual do mundo encantado do cordel, explorando suas origens e influências, suas estruturas e componentes, assim como a relação do cordel com as outras vertentes da poesia popular e manifestações afins (embolada, repente, samba de maracatu, aboio, xilgoravura, etc.) e com os novos recursos tecnológicos e midiáticos.

O curso se destina tanto aos que pretendem se dedicar à produção poética quanto aos que querem aprofundar seus conhecimentos a respeito da poesia popular nordestina e aplicá-los nas mais diversas atividades (Educação, Comunicação Social, Publicidade, etc).

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Inscrições
Valor: R$ 25,00
Maiores informações:
Telefone: 2101-8326
Site: www.fir.br
Email: extensao@fir.br

domingo, junho 24, 2007

MEU SÃO JOÃO COM CAROLINA

A juventude moderna
só quer saber de folia
acha pouco o carnaval
para a farra e para orgia
criou os fora de época
inspirando-se na Bahia.

Há Micaeiro, Micaru
Micarande, Carnatal
Micarina, Garanheta,
Recifolia e Fortal,
Micaroa, Micaju,
Micaré e o escambau.

Tá vendo, nenhuma dessas
mexe com minha emoção
não tem nenhuma importância
não cala no coração
do jeito que me emociona
as festas de São João.

Tá certo que tem São Pedro
e o Santo casamenteiro
(Santo Antônio), mais nenhum
se compara, companheiro
com São João do carneirinho
este sim, é mais festeiro.

As más línguas dizem que
é chegado a uma sesta
uma madorna, uma palha
não sei se a verdade é esta
mas dizem que ele dorme
até no dia de sua festa.

Bem que o povo sempre tenta
despertar o dorminhoco
solta grande foguetório
e haja estrondo e papoco
pra ver se ele acorda e vem
conosco brincar um pouco.

Mas nem bomba, nem girândola,
nem foguete, nem rojão,
buscapé, traque, pistola
peido-de-véia ou vulcão
são capazes de acordar
o santo da animação.

Nem por isso a gente deixa
de festejar o seu dia
num mutirão se prepara
tudo com muita alegria,
as bebidas, o dicomê,
e o ambiente da folia.


O meu São João de menino
era acender estrelinhas,
lágrimas, traques-de-sala,
chuva-de-prata, bombinhas,
assar milho num espeto
e brincar de adivinhas.

Tinha uns que praticavam
um ato muito insensato
que sempre achei que era errado
(eles achavam um barato):
amarrar uns fogos de estouro
em algum rabo de gato.


Quando tornei-me um rapaz
mudei pois de brincadeira
ia com meu pai pra mata
para arranjar a madeira
e cortava satisfeito
a lenha para a fogueira.

Depois fazia a latada
bem na frente do terreiro
limpava, batia o barro
pro bate-coxa maneiro
cobria então com capim
ou com palha de coqueiro.

Ainda ajudava mãe
ralar milho e ralar coco
porque dentro da cozinha
era mesmo coisa de louco
mas pra festa ser porreta
valia qualquer sufoco.

Então lá prás cinco horas
parava de trabalhar
do cacimbão eu tirava
água para me banhar
me trancava lá no quarto
e ia me ajeitar.

Vestia a roupa novinha
comprada lá na cidade
calçava até um sapato
que para bem da verdade
era sempre muito apertado
não me deixando à vontade.

Naquele tempo era doido
pra ter uma namorada
mas era muito acanhado
nunca enfrentei a parada
e reclamava da sorte
sem nunca ir à caçada.

Pai acendia a fogueira
meu tio soltava um balão
meus irmãos queimavam fogos
na ponta de um tição
mãe terminava as comidas
e vô tomava um quentão.

E pouco a pouco ia chegando
o povo da redondeza,
os compadres de meus pais,
Tio Dito, Tia Tereza
e o melhor, minhas primas
Das Dores, Neves e Andreza.

Com pouco mais Zé da Vagem
um dos grandes sanfoneiros
chegava trazendo o fole
juntamente com os parceiros
Tõe Zinebra do triângulo
do zabumba, João Medeiros.

Com o trio lá na latada
principiava a festança
o repertório do rei
(que não sairá da lembrança)
animavam os forrozeiros
ralando pança com pança.


Quem gosta dum rala-bucho
aproveita a ocasião
pra se esbaldar no forró
porque não falta opção:
quadrilha, xote, xaxado,
ciranda, coco e baião.


Logo a poeira subia
de tanto o povo dançar
era preciso vez em quando
então o salão molhar
sobre o reclame do povo
que não queria parar.


Mesmo com tanto alvoroço
eu não tinha muito agrado
eu tomada umas batidas
olhava meio de lado
mas não encontrava jeito
de me sentir animado.

Gostava do movimento
mas ficava só por fora
via o povo no forró
e me sentia um caipora
e pensava assim comigo:
inda vai chegar minha hora.

Mas uma vez, meu compadre
tive um São João diferente
foi um São João tão pai d’égua
que mexeu com minha mente
eu já não era mais o mesmo
daquele dia pra frente.

É que mesmo com vergonha
cismei de participar
duma quadrilha que Neves
inventou de preparar
e eu fiquei todo cabreiro
do convite recusar.

Na quadrilha foi meu par
Carolina, sua amiga
dessas meninas modernas
que sempre mostra a barriga
e os roliços das coxas
e pros faladores não liga.

Desde pequena morava
com uns tios na capital
mas seu pai soube umas coisas
que não achou muito legal
trouxe então ela de volta
pra sua terra natal.

Pois bem, no primeiro dia
que a gente foi ensaiar
vestiu um short bem curto
apertado de lascar
e um tal de bustiê
somente pra provocar.

E eu ali todo matuto
como quem não quer querendo
achando que a danada
nada em mim estava vendo
vestia-se assim desse jeito
mas não era se oferecendo.

E haja "xis", "grande roda"
"Olha a chuva", "balancê",
"Caminho da roça", "serrote",
"passeio de dama", "ganchê",
"bolo de noiva", "cobrinha",
"changê de dama", "voltê".

E quem disse que eu acertei
os passos naquele dia
passava os pés pelas mãos
foi a maior agonia
e Carolina mangando
dos erros que eu fazia.

Perguntou: por que você
não tá dançando direito?
Lhe respondi positivo
mesmo assim meio sem jeito:
- é que ocê com esses trajes
abala qualquer sujeito.

Ela riu toda marota
mas disse sem se alterar:
vou lhe dar mais uma chance
para você melhorar
se isso não acontecer
vou arranjar outro par.

Ouvindo isso, meu amigo
enchi de ar o pulmão
e disse a ela: tá certo
não irei errar mais não
Tá vendo que eu não queria
perder aquele avião!

Me concentrei direitinho
nas ordens do marcador
não troquei mais nenhum passo
parecia um professor
de dança, e Carolina disse:
Aí sim, eu dou valor.

Daquele dia em diante
eu só tive um pensamento
de chambregar com Carolina
imaginando esse momento
de tanto sonhar com ela
quase tive um passamento.

Até que chegou o dia
da grande festa esperada
a quadrilha estava pronta
devidamente ensaiada
as roupas de chita, belas
E a tropa toda animada.

As fogueiras já ardiam
clareando o meu Nordeste
pois na noite de São João
esta terra se reveste
de um brilho que se estampa
em todo cabra-da-peste.

Dançamos nossa quadrilha
tudo saiu na medida
Carolina estava bela
com linda roupa vestida
cheia de renda e babados
sobre a chita colorida.

A sanfona deu um tempo
então fomos convidados
para provar das delícias
dum cardápio variado:
muita canjica, pamonha,
milho cozido e assado.

Angu, xerém, manguzá,
pé-de-moleque, paçoca,
mais bolo souza leão,
e bolo de mandioca,
manuê, bolo de milho,
arroz-doce e tapioca.

O fole roncou de novo
e Carolina eu chamei
pro salão pra dançar xote
ela aceitou, eu vibrei
depois de umas 03 músicas
tomei coragem e lasquei:

Chamei pra ir lá pra fora
tomar um pouco de ar
saímos pois de mãos dadas
num tronco fomos sentar
um sentimento atrevido
mais alto pôs-se a falar.

Olhei dentro de seus olhos
pareciam dois tições
ardendo assim de desejos
de recolhidas paixões
então beijei-lhe de súbito
sob estouros de rojões.

Ela beijava e arfava
como um fole de oito baixos
eu cheirava seu cangote
fungando sob seus cachos
num remelexo que só
há entre as fêmeas e os machos.

Nosso forró teve fim
como tem fim a fogueira
tive outras Carolinas
por essa vida estradeira
mas nenhuma inda apagou
as lembranças da primeira.

FIM
Timbaúba-PE, Abril - 97

sábado, maio 26, 2007

A BRIGA DO GALO COM O PEIXE (*)
PRA TER DIREITO À CONCÓRDIA
Autor: José Honório da Silva

Que nosso Galo é de briga

O seu hino já falou
É por isso que Enéas
Mais uma vez provocou
E o Peixe que não é mole
Não bateu fofo, peitou.

O espaço da folia
Está sendo disputado
Pelos patrocinadores
Que investiram um bocado
No Carnaval como um todo
E neste bloco afamado.

A disputa entre as cervejas
Há muito vem acirrada
Se Nova ou desce redondo
Pouco importa, camarada!
Porque o povo bem sabe:
A boa mesmo é gelada.

Quer no rádio ou na tv
Nos horários de audiência
A propaganda é constante
Detonando a concorrência
Cada qual tenta mostrar
Que detém a preferência.

Mas briguem por lá que eu
Partido não vou tomar
Tendo “ceva” eu tomo todas
Isto jamais vou negar
Mas não tendo basta frevo
Para eu desembestar.

Além disso em briga alheia
Não sou de meter o dedo
Eu só sei que Deus querendo
Eu estarei logo cedo
Fazendo o passo no Galo
Sem ter um tico de medo.

No Galo se vê de tudo
Em termos de carnaval
Tem o frevo que domina
Sendo o prato principal
Nesse banquete de ritmos
Que levantam nosso astral.

Tem abre-alas, baianas
Toureiros e mandarins
Passistas, porta-estandartes
Tocadores de clarins
Tem colombinas faceiras
Pierrôs e arlequins.

Palhaços, xeiques, piratas
Odaliscas, enfermeiras
Bailarinas, normalistas
Diabos, padres e freiras
Onças, anjos, gatas, noivas
Tiazinhas, feiticeiras.

Tem folião casual
Que não vai fantasiado
Usa bermuda e camisa
Um sapato já sambado
Se embala com o frevo
E faz o passo rasgado.

Gente que vai pelo frevo
Pelo embalo da folia
Gente a fim de se dar bem
No xumbrego da orgia
Seja qual for o motivo
No Galo se extasia.

Aos que lhes falta coragem
De juntar-se à multidão
Por medo, por preconceito
Por qualquer limitação
Há camarotes pra quem
Puder gastar seu carvão.

Mas o bom é ir pro meio
Do povo que se atropela
Quando do trio se ouve
“Você diz que ela é bela...”
A pernambucanidade
É aí que se revela.

Tem casado que dá drible
Na mulher e vai sozinho
Diz que vai fazer um bico
Combina com seu vizinho
Passa o dia na muvuca
Chega em casa bem quietinho.

Tem também mulher que vai
Escondida do marido
Veste um short, calça o tênis
E diz pra ele: - Querido
Eu vou lá na costureira
Para provar um vestido.

Tem gente cheirando lança
Pra ficar numa maior
Cheira loló, cheira cola
Eu não sei o que é pior
Prefiro cheirar cangotes
Molhadinhos de suor.

Lá no Galo todos brincam
Numa só cumplicidade
Criança, jovem, coroa
Folião de toda idade
Acompanhado ou sozinho
Quer seja ou não da cidade.

Muitos dos que lá não vão
Gostariam de poder
Mas o que pode e não vai
Eu não consigo entender
Só lamento que não saiba
O que está a perder.

Infelizmente também
Tem os pais desnaturados
Que levam os filhos e não
Têm os devidos cuidados
Não os protegem do sol
E nem dão água aos coitados.

No Galo também tem gente
Que não vai pra brincadeira
São lanceiros bem atentos
Aos que estão de bobeira
E depois que dão o lance
Lá se foi sua carteira.

Tem quem vai com o propósito
De provocar confusão
Passa a mão na bunda alheia
Dá pisada e beliscão
Cantando mulher dos outros
Dando soco e empurrão.

Fazem para aparecer
Para mostrar valentia
Pensando ganhar cartaz
Perante alguma guria
Porém nem mesmo conseguem
Estragar nossa alegria.

Mulheres que se aproveitam
E dão corda aos donjuans
Comem, bebem às suas custas
Olhando pra suas cãs
E na “hora da verdade”
Desaparecem nas vans.

Tem cara que força a barra
E às minas dão bebidas
No intuito de deixá-las
Fogosas, desinibidas
E assim tê-las nas malhas
De suas mãos pervertidas.

Tem travesti exibindo
A forma siliconada
Sobre dois palmos de salto
Levando vaia e dedada
Dos gaiatos de plantão
Que não deixam passar nada.

Tem sapatões que se vestem
De soldado ou de palhaço
Com cachaça na cachola
Entram logo no amasso
E sem ligar para o povo
Tome beijo e tome abraço.

Tem o que vende comida
Daquelas comeu-morreu
Ganhar o mais que puder
É este o desejo seu
Mesmo que fique doente
Quem seu quitute comeu.

No começo é maravilha
Mas depois de certa hora
A cerveja só vem quente
O calorão estupora
As brigas se intensificam
O melhor é ir embora.

Digo que as almas sebosas
Jamais serão empecilho
Para que o Galo sempre
Mantenha firme este brilho
E um pai possa brincar
Trazendo no braço o filho.

No bairro de São José
O Galo tem endereço
Muitos lá se equilibram
Outros viram pelo avesso
Se para uns basta o Galo
Pra muita gente é o começo.

Nos versos quase finais
Eu grito: “Ei Pessoal!...”
O Galo da Madrugada
É mesmo “felomenal
Mas o Carnaval da gente
Faz-se multicultural.

A nossa festa maior
É cultura que lateja
A alma pernambucana
Pelas ruas se despeja
Levando alegria ao povo
Onde quer que ele esteja.

FIM Fevereiro/2005

(*) - O "peixe" do título é o secretário de
Cultura do Recife, João Roberto Peixe, com
quem a direção do Galo da Madrugada
travou um embate por conta das cervejarias
patrocinadoras.


Homenagem prestada ao poeta pelo Colégio Boa Viagem (Recife-PE), por ocasião do IX Concurso de Literatura de Cordel, realizado durante a XI Semana da Cultura, dentro das comemorações dos 40 anos de criação deste conceituado estabelecimento de ensino.