sexta-feira, setembro 28, 2007

A avó que deu a luz aos filhos de sua filha

A ciência evoluiu
Neste campo da Genética
Ás vezes até ultrapassa
As limitações da ética
Com feitos que não convencem
Aquela mente mais cética.

A ciência normalmente
Diz que traz a solução
Mas esquece de dizer
Que junto com ela então
Vêm efeitos adversos
Que mexe com o cidadão.

Há pouco se deu um fato
Que pelo mundo correu
A mãe que gerou os filhos
Da filha, pois lhes cedeu
A barriga pra gerá-los
E um par de gêmeos nasceu.

Parabéns para a Ciência
Que é capaz de tal feito
Dando esperança às mulheres
Que acalentam no peito
A vontade de ser mãe
Mas antes não tinha jeito.

Mas me diga como ficam
Esses meninos, coitados
Que são filhos de avó
Já que nelas são gerados
E assim irmãos da mãe
Do próprio pai são cunhados.

Um do outro irmão e tio
E dos tios irmãos serão
Já dos primos serão tios
Está feita a confusão
Acho que de um psicólogo
Ao crescer precisarão.

Mas avó ser mãe de neto
Já não é tão novidade
É coisa do tempo antigo
Quando esta sociedade
Era bem mais vigilante
No tocante à castidade.

Assim quando acontecia
De uma jovem solteira
Naquele tempo passado
Se perder na capoeira
E assim pegar um bucho
‘Tava feita a desgraceira.

Para evitar o escândalo
E a moça ficar falada
Sendo ela de família
Que fosse um pouco arranjada
Dava jeito de passar
Bem longe uma temporada.

Enquanto isso sua mãe
Inventava gravidez
E com barriga postiça
Ajustada mês a mês
Simulava até enjôos
Até quando fosse a vez.

Ia “parir” noutro canto
Pra ninguém desconfiar
E trazia o bebezinho
Pra como filho criar
A filha voltava casta
Ao aconchego lar.

E seguia como irmã
Do rebento angelical
A quem tinha grande estima
Pelo instinto maternal
Duas mães tinha o bebê
Carinho em dobro afinal.

A sete chaves guardava
Esta família o segredo
A verdade vir à tona
Era o mais dantesco medo
Mas vez por outra a tal farsa
Descobria-se logo cedo.

Hoje em dia as avós-mães
Dão-se de outras maneiras
São as crianças geradas
Nos ventres das mães solteiras
Criadas pelas avós
Estas são mães verdadeiras.

Esse tipo de vó-mãe
É pela consideração
Mas o novo tipo agora
Dá-se pela gestação
É o avanço da Ciência
No setor da criação.

Importante é ter uma mãe
Presente no dia-a-dia
Da criança que se forma
Mãe bem mais que companhia
Mãe que dá carinho e amor
Que ensina e serve de guia.

FIM

28-09-07

domingo, setembro 23, 2007

E a praça foi dos poetas...



Eu na Praça Tomé de Souza (Salvador-BA): com minha companheira e o cordelista Antônio Barreto (alto, à esquerda), eu declamando (alto à direita, e baixo, à esquerda); com os cordelistas Antônio Barreto (vermelho) e Jotacê Freitas (azul). Foto: Aparecida França (19-set-07);

Fim de tarde de uma última quarta-feira de inverno. Enquanto a aparelhagem de som era instalada sob o toldo na praça, o sol começava a se esconder e aos poucos os poetas e atores-declamadores ia chegando. Douglas de Almeida, o organizador do recital, vez por outra anunciava: - Aproximem-se! Agora, dentro de alguns instantes, nosso recital vai começar. E sapecava ao microfone alguns “torpedos poéticos” despertando a atenção dos transeuntes, atraindo alguns deles que espontaneamente foram formando a tradicional roda.

A certa altura, começa a função. Os versos ecoam e o povo pára prestigiando os poetas na praça. Douglas de Almeida, Antônio Barreto, Jotacê Freitas, grupos de teatros e outros declamadores, inclusive, eu, anunciado bombasticamente como um cordelista recifense que tinha ido a Salvador especialmente para participar daquele recital. Coisa de baiano? Coisa de poeta? Nada disso! Forma carinhosa de dar-me as boas-vindas e valorizar a minha presença naquele ambiente, naquele momento. E tentando não fazer feio, tirei da cartola (e da cachola) o Nascimento de Trupizupe, de Bráulio Tavares, e criada a empatia com o público, saquei do bolso o meu Cordel Pra Bob Marley, do qual li algumas estrofes e sacramentei minha passagem pela Bahia de todos os versos.

O mais inusitado de tudo isso é que praticamente estava ali por acaso, se é que ele existe. É que eu (e minha companheira) chegara à capital baiana algumas horas antes, aproveitando alguns dias das férias para uma visita ao amigo Barreto, poeta e professor, a quem conheci há dois anos em Serra Talhada, no evento Tributo a Lampião, e que me deu a honra de recebê-lo em minha singela casa ano passado. Retribuindo-lhe a visita, sou recepcionado no aeroporto pelo amigo cordelista, deixo os teréns no seu agradável apartamento na Piedade, saímos para um rápido almoço (não confundir com fast food) e pronto, lá vamos nós para o primeiro encontro com a cultura soteropolitana. Foi o Festival de Poesia Salvador Cachoeira. E esse pernambucano enxerido, e metido na roda pelo seu anfitrião baiano, ainda ia teve uma brecha para declamar no recital que se deu na noite seguinte, no Teatro Gregório de Matos. Foi muito amostramento pra quem só pensava que iria visitar o Pelourinho, comer caruru e conhecer Itaparica, como um simples visitante.

Mas como diz o ditado nunca mais ouvido: mais vale um amigo na praça que dinheiro na Caixa. Foi graças a esse amigo que conheci uma Salvador muito diferente do que é exaustivamente vendido pra turista.

Saravá Antônio Barreto, com seus cordéis, suas gaitas e seu violão tão sertanejo!
Saravá Jotacê Freitas e sua recriação de Cuíca de Santo Amaro!
Saravá Antônio Paraíba, com sua Banca dos Trovadores estrategicamente instalada na praça do Mercado Modelo!
Saravá todos os Poetas da Praça, em especial Douglas Freitas e Geraldo Maia, com sua performance visceral e seu verso contundente.

quarta-feira, setembro 19, 2007

Uma viagem mais que poética na capital do agreste.


(Poeta Honório no Museu do Cordel, recepcionado por Olegário Filho)
Foto Cida França(Setembro/07)


Tarde desta terça de setembro. Volto ao país Caruaru onde estive pela última vez por ocasião da posse da primeira diretoria da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel-ABLC, coisa que se deu há dois anos, em maio/2005, um mês após a criação da União dos Cordelistas de Pernambuco-Unicordel. Nesse dia, por conta do trabalho, eu cheguei correndo e saí voando, não dando tempo de interagir com o povo do cordel que estava presente.
Fiquei me devendo esta durante todo esse tempo. Hoje deixei de ser inadimplente comigo de maneira muito especial, me pagando com juros, correção monetária e até CPMF. Aproveitando umas curtas férias, fiz a premeditada viagem que teve resultado bem melhor que o esperado, embora um dos objetivos não tenha sido alcançado: comprar um chapéu (de massa ou panamá). Mas isso é de somenos importância, tarefa boba e adiável.

Primeira missão era localizar e visitar o Museu do Cordel, fruto do idealismo de Lídio Cavalcanti e do saudoso cordelista Olegário Fernandes. Que ficava no Parque 18 de Maio eu já sabia, mas o desafio era como achá-lo entre aquela infinita quantidade de boxes e barracas vendendo “de tudo que há no mundo” e mais algumas coisinhas que Onildo Almeida acrescentaria hoje nesses tempos de China e Paraguai. Cruzei a ponte, dirigi-me logo para a área de artesanato e pedi informação ao primeiro vendedor que avistei. Batata! O atencioso senhor deu indicações precisas e, com poucos passos de volta em direção à estátua de pedra de Vitalino, e daí, descendo à direita no rumo da feira de queijo e driblando o labirinto de roupas e artigos importados, cheguei sem dificuldade ao ambiente modesto e mágico do museu tão carinhosamente zelado por Olegarinho (Olegário Filho). Vi folhetos antigos, comprei clássicos e lançamentos, travei uma prosa agradável e esclarecedora, tratei de negócios e até tirei foto (essas aí), não sei se como turista ou como pesquisador.

De lá, no rumo da Caroá (antiga fábrica de sisal e hoje espaço cultural e Museu do Barro), referência para localizar a casa do agora septuagenário Dila (melhor forma de identificá-lo diante dos infindos e intercambiáveis nomes a si próprio atribuídos), este grande mestre da xilogravura e ícone do cordel. Chegando lá, encontrei-o na calçada com sua esposa, pois acabara de se despedir de Hérlon Cavalcanti, autor do livro Xilogravuras do Mestre Dila - Uma visão poética do Nordeste, que será festivamente lançado neste domingo, dia 27-09, a partir das 14h30min no Museu do Barro de Caruaru, com muita poesia, música e canto. Apresentei-me e à minha companheira, e após os costumeiros cumprimentos, fomos convidados a subir os íngremes degraus que levam ao seu sótão-estúdio, e assim, adentrar no mundo fantástico do poeta dos cangaceiros imortais, fazendo-nos viajar com suas histórias e causos espetaculares.

Perguntou-me logo se eu conheci o Professor Roberto Benjamin, no que afirmei que sim, acrescentando ter mais contato com seu fiel escudeiro José Fernandes. A conversar correu solta sobre os imorredouros representantes da família Ferreira, sobre figuras da nossa História, como Lampião, Tenente Bezerra, Tenório Cavalcante, Padre Cícero, Severo Gomes, Cordeiro de Farias, Garrastasu Médici, João Figueiredo, Antônio Silvino, e tantos outros. Mostrou-me “sua” foto em trajes de couro e do “tempo” de andanças e combates, “confirmados” pela cicatriz de bala na perna. Comprei alguns folhetos seus para minha coleção e ganhei o dobro de presente. E olhe que o aniversariante era ele, que completara setenta anos de vida no dia anterior (17/09).

Mas da noite veio-nos o prenúncio da chegada e tive que anunciar nossa partida, não sem antes lhe dar um apertado abraço de parabéns pelo aniversário, desejando-lhe muita saúde e inspiração.

Pena ter que pegar a estrada de volta ao Recife naquela hora. Pena não ter chegado mais cedo e me deleitar com a prosa boa de figura humana tão rara e artista de tão prodigiosa criatividade. Despedi-me inúmeras vezes e entre uma despedida e outra, ainda ouvi sobre José Pacheco, José Soares e descobri que houve um repentista chamado José Honório, citado por Athayde. Mandou um abraço pro Doutor Roberto, para Marcelo Soares e para meus companheiros poetas da Unicordel. Finalmente consigo entrar no carro e dizer até a próxima com um aceno de mão, e assim, volto ao Recife com meu ânimo renovado e mais confiante ainda na força da poesia.


Salve Olegário Fernandes, Lídio Cavalcanti e Olegário Filho!
Salve o Museu do Cordel!
Salve Dila e sua legião de heterônimos!
Salve todos os poetas de todas as vertentes!
Salve os “doidos” que acreditam na força da imaginação e fazem com que a vida tenha mais graça e poesia.

domingo, setembro 16, 2007

Quirinanças e Pedrosices (*)


Sou um matuto da capital. Pernambucano da gema, gerado no Paissandu e nascido na Boa Vista no início dos anos sessenta do século que passou. Menino recifense criado no subúrbio (hoje chamado periferia) da antiga e abrangente Casa Amarela em um tempo não tão remoto, mas que ainda dava pra tomar-se banho e lavar roupas no Rio do Brejo, pra meu padrinho Tiantônhe criar vacas e cuidar da venda, sortida de tudo quando era mercadoria, secos, molhados e mangaios.

Cresci num terreiro vasto onde nunca faltou galinha, pato ou ganso, guiné, um cachorro, por muito tempo um jacaré, e outros bichos em abundância, como muriçoca e maruim; eventualmente agregava-se à fauna doméstica peru, gato, papagaio, camaleão, sagüim; época dos brinquedos feitos por meu pai (balanço, burrica) e por meu avô (carrinho de madeira, cata-vento e outras engenhocas); das brincadeiras de toca, de pega, de se esconder, de mandraque; de bola só me dava bem com as de gude e também morria de raiva e de frustração porque nunca tive jeito pra empinar papagaio, pipa ou chalopa; fiz figuras moldando o barro ou enfiando palitos em buchas verdes transformando-as em animais os mais diversos; andei de cavalo-de-pau brincando de faroeste e fiz bolinha de sabão assoprando em canudo de talo de folha de mamoeiro. Tomei banho de biqueira e sapateei na chuva. Viajei de trem pra visitar Severino Gomes e lá comi doce de coco feito em fogão de lenha numa tapera de um velho sítio. Levei lapada de rabo de vaca, golpe só comparado a uma inesperada mãozada que um boneco gigante me deu lá no carnaval de Olinda.

Menino ainda, li folhetos pra meu avô paterno e ouvi dele e de meu pai histórias de assombração, causos do povo do interior, lá dos engenhos de Ipojuca, de personagens reais e fictícios; aprendi com cartilha de abc e tabuada; ouvi os versos malcriados ao som dos pandeiros de emboladores como Oliveira e Beija-flor (na pracinha do Diário e no Mercado de São José) e dos repentistas pelo rádio, ondas sonoras que me traziam também as vozes do Rei Gonzaga, da rainha Marinês, do mestre Jackson do Pandeiro, de Gordurinha, de Ari Lobo, e de tantos outros artistas não menos talentosos, como o grande Azulão, ainda vivo, bolindo e cantando divinamente, trazido de volta à cena pelas mãos do Herbert Lucena; ouvi de perto a dolente melodia da ciranda de Barbosa e de longe a batida dos bombos dos terreiros, negócio de xangozeiro, que me diziam não ser lá coisa muito católica; assustei-me com o boi do cavalo-marinho nas festas do Sítio da Trindade e desde então me encanto com os cabocolinhos e mais ainda com o frenético ritmo do frevo.

Organizei ovos nos ninhos das galinhas para que nenhum gorasse, pois minha mãe dizia que eu tinha mão boa para isso; subi em pé de pau e lá passava horas “viajando” no meu exílio de criança tímida e sonhadora, fã dos feitos de Santos Dumont, Rui Barbosa e dos heróis Felipe Camarão, Henrique Dias e Matias de Albuquerque; assei castanha, quebrando a casca em carvão com um porrete, fiz anel de caroço de macaíba ralando-o na calçada mais comprida que achava.

Do quintal, comi muita banana prata, manga espada, jaca dura, goiaba branca e vermelha, abacante, caju, e de vez em quando o cardápio era reforçado por ingá, coquinho, carambola, jabuticaba e catolé; além do trivial triunvirato charque, arroz e feijão (às vezes aditivado com bucho ou dendê), lambia os beiços com a gostosura dos caranguejos trazidos de Pontes de Carvalho por Inês, prima de meu pai, da mão-de-vaca, buchada de bode, sarapatel, cozido com pirão de cuscuz tudo preparado por Dona Otacília, minha mãe, que tem um antigo e belo livro de arte culinária, mas que nunca a vi dele fazer uso. Só nunca provei da sua afamada galinha à cabidela por conta do meu eterno protesto por ela ter passado a faca no pescoço de Maria da Pena, galinha que anos antes era aquela pintinha que me foi dada de presente por minha avó materna; desci ladeira desembestadamente em patinete de rolimã, dei cangapé na areia, amassei barro com o pé para fazer parede de taipa, extraí mel de cortiço, arranquei batata-doce e macaxeira, plantei coentro em leirão, tirei água de cacimba e a carreguei em galão; dormi em rede, cama patente e de campanha, um infante sonho de consumo um dia realizado.

Tive sarampo, bexiga, lombriga e moleira mole. Fui tratado com chá de sabugo de milho e outras mezinhas. A rezadeira Dona Maria me curou de um olhado. Tomei muito lambedô e Biotônico Fontoura. Subi a ladeira do Morro em louvor a Nossa Senhora da Conceição e religiosamente contrito ouvia a Ave Maria das seis horas na rádio Clube.

Esse converseiro mais cumprido que braguilha de macacão, mais demorado que lição de moral, mais remoído que conversa de prestamista era pra ser um introdutório à tentativa de explicar a razão desse meu encantamento com a arte dos que se nutrem das coisas do interior e nos alimentam com a brejeirice nordestina que teima e não se deixa massacrar pela modernidade bestializante. E de tanto gostar, acabei contaminado e querendo ser mais um cangaceiro nessa peleja de fazer valer a pernambucanidade, a nordestinidade.

Capitão Chico Pedrosa! Capitão Jessier Quirino! Não tenho bacamarte nem parabelo, não tenho papo-amarelo nem facão Collins para ser recrutado nesse bravo exército caririzeiro, brejeiro e sertanejo, mas acho que dessas armas não precisarei. Tenho no meu bornal aquelas munições que a vida me forneceu na infância às quais juntaram-se outras ao longo dessa minha jornada de escutador de versos e causos, e de matutador de versos e rimas. Fico aqui à mercê de vossas ordens, cordelirando quando dá na veneta e espalhando aos quatro cantos do mundo a força talentosa da obra magistral de artistas como vocês. Se não tenho tutano para o combate direto com as volantes, contento-me em ser um coiteiro ou um guerreiro como o pajeuzeiro Antônio de Juvita (**). O que importa é manter acesa a brasa da causa da cultura popular desta nação nordestina.

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(*) - Texto escrito em 16-09-07, após algumas doses caprichadas e duplas, por via oral e visual, de quirinanças e pedrosices nos dias 13/09 (Pátio de São Pedro) e 15/09 (Tarde no Mercado da Madalena e noite no Teatro Santa Isabel).
(**) - Personagem do poema Guerreiro do Pajeú, escrito por Chico Pedrosa, constante do livro Sertão Caboclo, lançado quinta-feira (13/09) pela Editora Bagaço (www.bagaco.com.br)

domingo, setembro 09, 2007

A história do dia em que o amor veio fardado

O ato de fazer versos geralmente se manifesta a partir de um impulso criativo que leva o poeta a registrar com palavras aquilo que ele vê, pensa, sente e sonha. Uma idéia que lhe vem de veneta ou extraída a fórceps, seja como for, uma energia que nasce dentro do poeta e explode para o mundo através da palavra. Mas nem sempre é assim. Desde os tempos mais remotos poetas e outros artistas criam obras sob encomenda, produzem explicitamente para atender a demandas de terceiros, como qualquer artífice consciente da função utilitária do seu ofício.

No cordel, é comum a produção de folhetos de encomenda, normalmente para propaganda política, campanhas institucionais, educativas e publicitárias. Em sua maioria, tais poemas são construídos numa linguagem direta, objetiva, discorrendo desde o início sobre os aspectos mais relevantes do objeto que lhe serve de tema. Mas há poucos dias chegou às minhas mãos um cordel que foge deste padrão e valendo-se do recurso do merchandising, traz uma saborosa narrativa de uma paixão avassaladora como pano de fundo para a publicidade de uma empresa de segurança privada. Trata-se do sensacional folheto A HISTÓRIA DO DIA QUE O AMOR VEIO FARDADO, de autoria do jovem cordelista Mauro Machado, companheiro da União dos Cordelistas de Pernambuco-UNICORDEL.

Mauro conta a história de Simão, rapaz perdidamente apaixonado por Rosinha, jovem que tem uma atração arrebatadora por homens que usam farda, razão pela qual ignora os sentimentos do herói da história e se engraça de Ciço Cafuringa, o guarda da pracinha. Mas Simão não se dar por vencido, e parte para a reação. Julgando ser muito arriscado entrar pro Exército, decide ir pro Recife e ir trabalhar na Nordeste Segurança. Só a partir daí, da finalzinho da quarta página é que a propaganda mostra a cara, mas de uma forma muito solta e graciosa, diluída no enredo amoroso, na medida certa, deixando-se florescer no momento devido, apresentando-se como um recheio no meio desse romance caboclo. Eis alguns trechos desse cordel:
...
O alvo dessa paixão
Tinha a graça de Rosinha
Ela era de Simão
A sua antiga vizinha
Que no Recife morava
Mas pra Gravatá voltava
Porque em junho sempre vinha.
...
Foi quando chegou na frente
Outro homem pra dançar
Interrompeu o pedido
Mandou Simão se catar
Pegando a mão de Rosinha
Foi pro centro da pracinha
Pra com ela forrozar.

Era Ciço Cafuringa
Quem com Rosinha dançava
Era o guarda da pracinha
E bem fardado ele estava
Foi que descobriu Simão
Pra atingir seu coração
Que de farda ela gostava.

No outro dia já queria
Pro Exército entrar
E fardado de soldado
Rosinha iria gostar
Mas se tivesse uma guerra
O seu plano ia por terra
Ia longe guerrear.

Decidiu ir pro Recife
Ver um emprego fardado
Ele andou toda cidade
Foi de um lado ao outro lado
Com muita perseverança
Na Nordeste Segurança
Foi que teve seu achado.
...

Certamente ele seria
Que Cafuringa melhor
Afinal em Segurança
A Nordeste é a maior
E Rosa o namoraria
Pois não mais ela acharia
Que Simão era o pior.
...

Já de noite, na pracinha
Bem de longe ele avistou
Muito autoconfiante
Até ela caminhou
No seu ombro foi tocando
Então foi ela virando
E ele pra ela falou:

- Ó, bela flor pequenina
E que só nasce em botão
Perfumada e tão formosa
Como a lua no sertão
Nessa noite tão perfeita
A senhorita aceita
Dançar comigo, o Simão?

E viu da Nordeste a farda
E na hora se encantou
Nunca viu homem mais lindo
Foi o que Rosa pensou
E esse namoro esperado
Foi com um beijo selado
E ali mesmo começou.
...